CADE sugere mudança na lei para atuar como ANPD

Cade sugere mudança na lei para atuar como ANPD. Estudo interno ainda não divulgado solicita mudanças na legislação para unir órgão antitruste e agência de dados.

Dado a importância do tema trago aos leitores do nosso blog o excelente texto de : Alexandre Leoratti e Guilherme Pimenta publicado pelo site Jota 

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) defende que a legislação brasileira seja alterada para abarcar as atribuições da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Segundo estudo, que já está sob posse do Executivo, a integração do Cade com a autoridade economizaria R$ 108 milhões aos cofres públicos e poderia ser feita já até janeiro de 2021. 

No estudo interno ainda não publicado que foi obtido pelo JOTA, o órgão propõe ajustes em sua estrutura interna, mais orçamento e pessoal para abarcar a autoridade, que faria parte da autarquia antitruste com uma Superintendência-Geral de Proteção de Dados. Dessa forma, o órgão alteraria seu nome para “Autoridade de Defesa da Concorrência e Proteção de Dados”.

Para concretização dessas mudanças, diz o Cade, dimensiona-se necessário o quantitativo de 41 cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores ou Funções Comissionadas do Poder Executivo, além de 70 servidores técnicos, o que representaria a ampliação em 110 pessoas na força de trabalho do órgão.

Hoje, o Cade é dividido internamente em duas esferas: a Superintendência-Geral, responsável por instruir os processos administrativos e atos de concentração, e o Tribunal, composto por sete membros, responsável pelo julgamento de processos e fusões e aquisições. No total, o órgão tem 260 servidores.

O conselho é ligado ao Ministério da Justiça, mas tem autonomia administrativa e funcional. O superintendente-geral e os conselheiros são indicados pelo presidente da República, sabatinados pelo Senado.

O novo órgão abarcaria tanto a superintendência atual quanto a superintendência de dados pessoais, que teriam estrutura e pessoal próprio. O Tribunal, por sua vez, seria responsável por julgar tanto processos antitruste como os processos relacionados a dados pessoais, abarcando as funções previstas aos membros do Conselho Diretor da ANPD.

“Dessa forma, a autoridade estaria operacional em tempo recorde, pois, com o mínimo de investimento, seria aproveitada toda a estrutura e capacidades acumuladas pelo Cade ao longo dos anos”, aponta o estudo. Segundo o documento, caso a implementação começasse a ser feita em setembro, o órgão poderia funcionar já em janeiro de 2021. 

Os autores do documento defendem que ser “razoável” avaliar que a incorporação das funções de Autoridade Nacional de Proteção de Dados pelo Cade representaria uma “economia de dois a três anos no tempo para que sejam desempenhadas de forma madura, alinhada com as melhores práticas internacionais”.

O arquivo, datado de agosto de 2020, apesar de não ter sido publicado pelo Cade, já está nas mãos da Casa Civil e do Ministério da Justiça, que avaliam a proposta. Nos bastidores, a proposição tem apoio em setores do Ministério da Justiça.

Apesar de o estudo ser recente, a ideia da proposta já é debatida desde a criação da elaboração da LGPD.

A discussão ganha ainda mais importância devido à MP 959/2020, que adia a entrada de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para maio de 2021.

Caso o texto perca a validade no dia 27 de agosto, dada em que a MP caduca, a LGPD já entraria em vigor sem uma autoridade nacional de dados pessoais. Como antecipado nesta segunda-feira pelo JOTA PRO, os líderes da Câmara acordaram votar a MP 959/2020 na sessão desta terça-feira (18/8).

Estudo

O estudo interno do Cade acrescenta que a ausência de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados prejudica a inserção do Brasil na OCDE, que exige regras de proteção de dados pessoais para os países-membro. O órgão se posiciona como a solução “diante das dificuldades de se estabelecer a ANPD” 

O documento, de 44 páginas, assevera que o Cade já segue exigências de todas as recomendações e práticas internacionais exigidas pela OCDE e pelo Regulamento Geral Europeu sobre a Proteção de Dados (General Data Protection Regulation – GDPR), além de ter autonomia em relação ao Governo. Dessa forma, o órgão não seria diretamente ligado à Presidência da República.

Além disso, a autarquia antitruste afirma que os conflitos potenciais precisam ser tratados de forma cuidadosa, mas não devem prejudicar a livre iniciativa e a defesa da concorrência “ao potencialmente criar barreiras à entrada em mercados dependentes de acesso a dados pessoais que sejam insuperáveis aos pequenos agentes econômicos”. 

“Unificando no Cade os temas de proteção de dados e defesa da concorrência, evitam-se conflitos de entendimento ou orientações contraditórias para o mercado”, aponta o documento. 

Procurado pelo JOTA, o Cade afirmou que não iria se manifestar.

ANPD

A Lei 13.853/2019, sancionada em julho de 2019 e responsável por criar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), estabelece que o órgão poderá ser anexado à presidência da República após dois anos de vigor da lei. 

A possibilidade de anexação é criticada pelos advogados e especialistas em proteção de dados. O principal receio é que a ANPD não tenha autonomia de fiscalização como acontece com as autarquias, além de questões como independência financeira e orçamento próprio. 

Eles argumentam que se o órgão for vinculado à presidência da República, em tese, seria possível a intervenção do Executivo em fiscalizações e ações da ANPD. O receio de falta de autonomia foi um dos principais argumentos no estudo do Cade, que é uma autarquia independente do Executivo. Nos bastidores, o medo dos especialistas é que a ANPD seja tomada por “decisões políticas” do governo e não em ações com base técnica. 

“A autoridade precisa ter expertise em proteção de dados, tecnologia da informação e ciência de dados. Além disso, requer estrutura, recursos, orçamento e autonomia institucional adequados para poder exercer suas responsabilidades”, assevera o estudo do Cade. 

Diante da proposta do Cade, advogados especializados no tema divergem. Marcela Mattiuzzo, sócia do VMCA Advogados, avalia que a ideia defendida pelo Cade é pertinente diante do atual momento de eficiência econômica da administração pública e pelo reconhecimento internacional do órgão concorrencial. Ela acrescenta que outros países, como Estados Unidos e Austrália, também adotam o modelo de autoridade de dados com funções divididas. 

“Esse modelo teria a vantagem em relação ao modelo previsto na lei com a ANPD vinculada à presidência da República. A proposta também é clara que precisaria ter uma capacitação dos servidores para que as pessoas entendam de proteção de dados”, explica a advogada. 

Para Fabrício da Mota Alves, sócio do Garcia de Souza Advogados, a junção da ANPD com o Cade não é ideal. Ele explica que o modelo da autoridade de proteção de dados foi elaborada como ideia de um órgão único de proteção de dados e privacidade devido ao alto grau de especialização dos profissionais sobre o tema. 

“A ANPD tem que dialogar com todos os setores da sociedade, mais de 5500 municípios e todos os níveis do poder público. O Cade conseguirá lidar com processo eleitoral e setores como agronegócio, crédito bancário e até mesmo com órgãos responsáveis pela persecução penal?”, questiona o advogado.

Jose Carlos da Matta Berardo, sócio do Lefosse Advogados e especialista em Defesa da Concorrência, avalia que o Cade preenche todos os requisitos formais para ser uma boa autoridade de proteção de dados, “cuja criação e funcionamento são urgentes”.

“Todavia, é preciso refletir também sobre a extensão das modificações legislativas necessárias para colocar essa estrutura de pé, tanto na LGPD quanto na Lei 12.529”, ponderou.